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CONCLUSÃO

Manuel Francisco Cousinha, filho de um pequeno proprietário rural que exercia o oficio de pedreiro, nasceu perto de Arganil.
Ainda muito criança, aprendeu a acolitar e a ler em casa do Padre Nogueira, Prior da freguesia, e tornou-se muito devoto do Imaculado Coração de Maria.
Depois passou a apascentar o rebanho familiar de ovelhas e cabras. Para matar o tempo, construiu um relógio de casca de carvalho e folha de flandres, cuja campainha era um chocalho de cabra, e escondeu-o no palheiro da casa.
O pai, que deu com o relógio, chorou de comoção quando se convenceu de que o fizera o filho, e deixou-o ir, como ele desejava, para Lisboa, onde o rapaz, conseguindo empregar-se numa relojoaria, aprendeu a respectiva arte.
Foi como cabo do C.E.P. para França na primeira Grande Guerra. Levou consigo livros de leitura sã e propaganda religiosa que o já então Cónego Nogueira, de Coimbra, lhe dera, e a quem ficou devendo também salutares conselhos que seguiu, e mais livros que dele recebeu por vezes.
Por meio desses livros e pelo exemplo dado de rezar em público o terço com os homens que queriam acompanhá-lo nessa devoção, converteu um soldado português do mesmo C.E.P. que, no fim da guerra, vindo para Portugal, cortou a ligação ilícita que contraíra e se fez Padre.
Retrocedamos aos tempos da Grande Guerra. Após meses de campanha, Manuel foi descansar para a cidadezinha de Morez, no Departamento do Jura, que confina com a Suíça. Há nela muitos fabricantes de relógios, e o cabo português aprendeu lá não poucos segredos da respectiva arte, havendo-lhe ensinado desenho o Sr. Alferes Amaral, também do C.E.P.
Tendo os Aliados alcançado a vitória, Manuel veio para Portugal com as nossas tropas expedicionárias, e saiu das fileiras do exercito.
Tencionava voltar para França e, lá ganhar a vida; mas casou e, felizmente para a Arte nacional, fixou-se na Pátria, onde, tendo fundado um lar cristão, se pôs a trabalhar.
E trabalhou muito em relojoaria. O 1º relógio com carrilhão, que construiu, foi o que lhe encomendaram para a basílica de S.Pedro, de Guimarães.
Toca o «Avé» dos Pastorinhos de Fátima, a «Canção das Ceifeiras» e o hino da cidade. Foi premiado na Grande Exposição Industrial Portuguesa, de 1932.
Não só no Continente português, mas também nas Ilhas Adjacentes, nas nossas Províncias Ultramarinas e no Brasil trabalham relógios construídos na Fábrica Nacional de Relógios Monumentais «A Boa Construtora», fundada em Almada e dirigida pelo antigo pastorinho do Palheiro às Pontes, que dela é dono.
A colocação do relógio que trabalha na torre da igreja matriz de Vila do Porto (Ilha de Santa Maria-Açores) foi assinalada pelo caso extraordinário que passamos a referir.
Quando quiseram colocar na torre a que destinavam esse relógio, surgiram grandes dificuldades técnicas, que nem o seu construtor nem alguns engenheiros, que ali estavam, conseguiram resolver.
Gastou-se um dia inteiro em tentativas frustradas, não tendo sido possível levar o relógio para o lugar próprio. Como baixasse a noite e tudo continuasse na mesma, um dos engenheiros lembrou que seria melhor irem todos descansar. No dia seguinte se veria o que convinha fazer-se.
E todos se recolheram. Manuel Francisco Cousinha foi-se deitar, não sem ter pedido muito a Nossa Senhora do Rosário de Fátima, que lhe valesse em tão grande apoquentação. Adormeceu por fim e, enquanto dormia, sentiu que lhe puxavam por um braço e o sacudiam.
Abriu os olhos, e viu nitidamente um desenho que explicava o modo como devia ser colocado o relógio na torre da Igreja Matriz.
Fixou bem na memória esse desenho providencial, que por fim se desvaneceu. Levantou-se então e reproduziu-o num papel. No dia seguinte, em face dessa reprodução, tornou-se fácil a colocação do relógio na sua torre.
O devoto relojoeiro atribui este caso extraordinário à intervenção da Virgem Maria, invocada sob o título de Nª Sª do Rosário de Fátima.
Os que o presenciaram, tão impressionados se sentiram que choraram; e certo americano, que o estranho sucesso comoveu profundamente, disse que compraria uma imagem da Senhora de Fátima e a levaria consigo para a América.
Outro relógio-carrilhão construído pela «Boa Construtora» do Sr. Cousinha é o do torreão municipal de Castelo Branco.
Bate as horas, que repete, e os quartos, e toca o hino da cidade. São mais de 135 os relógios de torre saídos desta acreditada oficina. Alguns distinguem-se por particularidades notáveis.
O da «Torre Salazar» em Benfeita (Arganil) é munido de dispositivo especial que faz com que todos os anos o Sino da Paz, também fornecido pela «A Boa Construtora», dê 1620 badaladas no dia do aniversário do fim da Grande Guerra na Europa.
Por outro dispositivo próprio, o relógio do Fundão, colocado no edifício dos Paços do Concelho, acende e apaga, às horas previamente determinadas, a iluminação pública, que é eléctrica.
O da fábrica do Pessegueiro (Sever do Vouga), mandado montar pela Sociedade Industrial do Vouga no torreão desse seu estabelecimento fabril, bate as horas e meias horas e, por meio de sereia eléctrica, audível num raio de cinco quilómetros, dá apitos que indicam as horas de abrir e fechar a fábrica, encetar, interromper, recomeçar e largar o trabalho.
Essas indicações atendem a estar em vigor o horário de verão ou o de inverno, e a ser de trabalho o dia ou começar nele a folga da semana inglesa. Aos domingos a sereia emudece, também automaticamente.
Este relógio principal comanda outros cinco secundários, instalados em dependências da fábrica e que têm marcha regulada pela dele.

Mas a glória máxima de Fábrica do Sr. Cousinha, é o grande relógio-carrilhão que o seu dono inventou, feito de uma liga de bronze e antimónio, e nela construído sob a sua direcção, para ser inaugurado, como foi, a 8 de Dezembro de 1947 na Igreja portuense de Nossa Senhora da Conceição.
Com a respectiva base, ou chassis, este monumento de relojoaria mede 3,60m de comprimento, 1,30m de largura e 1m de altura, e pesa 3 toneladas. Dá horas e quartos, sendo estes precedidos pelo coro do «Avé dos Pastorinhos de Fátima», e seguidos pela Introdução do mesmo Hino as horas; mas, após o toque do meio dia, a melodia que se ouve é a «Salve Rainha».
Assim, de quarto em quarto de hora, é comemorada a Aparição de Nossa senhora na Cova da Iria.
O toque das «Ave Marias» é também acompanhado de música. No da manhã, as nove badaladas, que formam três grupos de três, precedem uma das melodias «Virgem Pura», «Com minha Mãe estarei» ou «Senhora Nossa»; ao meio dia as 9 badaladas antecedem sempre o hino «Salve Nobre Padroeira», tangido em honra de Nª Sª da Conceição; e ás do pôr-do-sol segue-se uma das três mencionadas melodias, diferente da que foi tocada de manhã.
Por meio de um motor privativo elevam-se sete pesos cuja descida faz andar o relógio colossal. Dezoito sinos, com o peso total de uns sete mil quilos, e rigorosamente afinados, tocam mecânica e automaticamente as sete peças do seu repertório.
O sino maior, só por si, pesa 1700 quilos. Um contacto eléctrico na sacristia permite que se oiça, sempre que se queira e tantas vezes quantas se deseje, qualquer dessas sete músicas.
O sonho dourado do sr. Cousinha foi sempre construir um relógio como este. Graças à generosa devoção do sr. Delfim Ferreira, que o encomendou, e ao desprendimento do seu inventor, que renunciou a qualquer lucro nesta sua obra prima, aquele sonho transformou-se em realidade, para glória de Maria e honra da Indústria Portuguesa.
É perfeito o acabamento desta grande máquina, à qual não faltam nem elegância de linhas nem adornos, nem símbolos religiosos. Ao centro, em lugar de destaque, vê-se a imagem de Nossa Senhora da Conceição, como que em baixo relevo, cercada por esta legenda: Senhora da Conceição - Rainha de Portugal - Protegei este País - E a Indústria Nacional.
Foi rapidíssima a construção do relógio-carrilhão monumental destinado ao Porto. Desde a fabricação dos moldes até à conclusão da obra decorreram quatro meses apenas, de 15 de Julho a meados de Novembro do ano passado.
Outros instrumentos curiosissimos tem construído esta afamada relojoaria almadense.
Deles mencionaremos os relógios fabri-monumentais, análogos ao da Fábrica do Pessegueiro, atrás descrito, mas que são munidos de aparelhos para registar a entrada e saída do pessoal (registo de ponto) e a passagem, por determinados locais, da ronda que vigia a fábrica e as suas dependências (registo de ronda). Também constrói pára-raios, cata-ventos, sereias, etc. Visitámos no fim do ano passado «A Boa Construtora», onde o sr. Cousinha, a Senhora, sua esposa e colaboradora dedicada, e o seu genro, guarda-livros da casa , nos receberam com requintes de cortesia que muito nos penhoraram.
Aí vimos o acima descrito relógio-carrilhão monumental, nas vésperas da sua partida para o Porto, e amavelmente nos foram dados os esclarecimentos e noticias de que precisávamos para redigir este artigo. Aqui renovamos os nossos melhores agradecimentos aos três.
Aos dignos esposos Cousinha, bons católicos, muito devotos de Nossa Senhora e de Santa Filomena, felicitamo-los novamente pelo triunfo que representa, para o chefe dessa família modelar, a invenção e construção de tão admirável máquina, honra da nossa Indústria.

Marquês de Rio Maior

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