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Nascido no fim do século XIX, no lugar de Sobral Magro, freguesia de Pomares, concelho de Arganil, e falecido em Almada em 1962, Manuel Francisco Cousinha, foi o introdutor em Portugal, da técnica de relojoaria mecânica de torre da era moderna.
Inventor do relógio carrilhão-electrónico, este relojoeiro mecânico de grande competência e largos conhecimentos da matéria, deixou um importante legado que ainda hoje, é a base da manutenção e reparação de dezenas de relógios de torre mecânicos, existentes em Igrejas e Edifícios públicos.
É, não só a história deste grande Homem, grande Português e grande mecânico que iremos contar e desenvolver ao longo do tempo, como também dar a conhecer o seu legado e esta actividade, que ainda existe, apesar das dificuldades de toda a ordem.
Grande amigo de Manuel Francisco Cousinha, D. João de Saldanha Oliveira e Souza, Conde de Rio Maior, redactor principal e editor da revista "Rosário", escreveu um artigo, resumindo até ao ano de 1947, a vida deste inventor e construtor de relógios-carrilhões.

BIOGRAFIAS NOTÁVEIS
MANUEL FRANCISCO COUSINHA
Inventor e Construtor de Relógios-Carrilhões

Os Anglo-saxões apreciam muito a leitura de biografias. E tal predilecção justifica-se: porque, na história dos homens que se distinguiram quer por virtudes quer por talentos, muito tem que aprender quem aspira a vencer na vida.
Em Portugal há poucas biografias publicadas. Entre as que são merecedoras de divulgação, conhecemos a do pastorinho que foi apóstolo na Grande Guerra e se tornou mestre-relojoeiro, inventor e construtor do relógio-carrilhão monumental que se admira na torre da igreja portuense de Nossa Senhora da Conceição. Vamos contá-la, ainda que resumidamente, aos nossos prezados leitores.

O PASTORINHO SERRANO

Manuel teve por berço a pequena propriedade «Palheiro ás Pontes», em Sobral Magro, perto de Arganil, e por pai um pedreiro. Sua mãe dirigia a exploração agrícola daquele pequeno prédio rústico, sendo feita por ela e pelos filhos a respectiva cultura, que não admitia a colaboração de animais, por ser muito acidentado o terreno.
O pároco da freguesia, Padre Nogueira, ia dizer Missa nos domingos e dias santos à capela do Sobral Magro, sendo o estipêndio respectivo pago pela gente do sítio, que para isso se cotizava.
Esse sacerdote perguntou um dia ao pai do Manuel se dava licença que o pequeno aprendesse a acolitar.
O pedreiro disse logo que sim e, como o Padre lhe lembrasse que convinha saber se o rapazito quereria aprender, logo declarou: -Ora essa! Tem de querer. Começou o Padre por ensinar ao menino a 1ª resposta do Intróito e na lição seguinte, verificando que ele aprendera bem, ensinou-lhe a segunda.
E, assim, em cada lição o futuro acólito ficou a saber mais uma resposta, até que um dia pediu ao mestre que lhe ensinasse mais de uma, visto que não lhe custava aprendê-las.
Deste modo, habilitou-se para acólito, em pouco tempo. Afeiçoou-se o bom sacerdote ao seu sacristãozinho, cuja viva inteligência bem merecia ser cultivada; por isso, aconselhou o pai a mandá-lo estudar. Mas o artífice objectou que não tinha meios para tal.
Propôs-lhe então o Padre Nogueira levar Manuel para a sua companhia: o pai só daria a indispensável autorização; ele encarregava-se de alojar, vestir, alimentar, instruir e educar o estudantinho.
Caiu, pois, pela base a objecção; e Manuel foi para casa do Prior, onde aprendeu a ler e a rezar, tornando-se muito devoto do Imaculado Coração de Maria.
Decorridos dois anos, o Padre teve de ir definitivamente para Coimbra; e o aluno regressou ao lar, passando a trabalhar no campo com os irmãos.
Como não tivesse queda para as fainas agrícolas, punha pouca diligência nelas; o que levava o pedreiro a dizer, na sua linguagem rude, que ele era «o mais malandro dos irmãos».
Quando o serviço apertava muito no Palheiro às Pontes, contratavam-se homens que ali iam ganhar o dia. Para animar o Manuel a trabalhar, enquadravam-no então na fila dos cavadores; mas o mocinho não conseguia acompanhá-los; ficava para trás; e os trabalhadores, aborrecidos com o retardatário, mandavam-no embora.
Por fim o pai, vendo que ele não tinha jeito nenhum para semelhante vida, fê-lo pastor do seu rebanho de ovelhas e cabras. São longos os dias do pegureiro. Manuel, que tinha muita habilidade para trabalhos manuais e vira um ou outro relógio, e para quem o tempo agora corria devagar, lembrou-se, para o matar, de construir um engenho ou máquina de o marcar e medir.
E pôs mãos á obra. Duro e paciente labor! Contudo, ao cabo de três anos, o pastorinho, que então contava nove, tinha conseguido fabricar, com casca de carvalho e folha de flanardes, um relógio!
As ferramentas empregadas nisso foram apenas uma velha sovela, uma tesoura e uma navalha comprada de propósito.
A campainha do relógio era chocalho de cabra. Afim de o guardar, o relojoeiro serrano meteu o seu invento no palheiro, ou côrte, como lá lhe chamam, onde se recolhiam palha e erva para alimento das ovelhas e cuja chave andava, por esse motivo, nas mãos dele.
Mas o pedreiro, um dia, ao passar por ali, ouviu o bater do relógio, o que lhe causou estranheza.
Á noite a família, antes de se ir deitar, ceavam. Após a refeição, havia a reza da ceia, para agradecer a Deus o alimento recebido da providência, e depois a reza do terço. Finalmente, o pai chamava os filhos a contas.
Interrogava-os; eles respondiam, e se a merecessem, recebiam a devida repreensão ou correcção.
Poucas vezes a mão paterna os castigava; mas, quando isso sucedia, sentiam-na bem; porque era pesada.
Nessa noite o pedreiro, querendo descobrir o que havia na côrte, perguntou ao Manuel se chovia lá; porque lhe parecia ter ouvido cair uns pingos.
O rapaz respondeu: «não chove, não senhor». mas o pai volveu: «hás-de me dar a chave para eu ver se chove ou não».
O mocinho estremeceu: se o pai lhe destruísse o relógio! Contudo, apesar de aterrado, entregou a chave; mas nessa noite, nem dormiu de aflição.
Se fora de insónia a noite, o dia seguinte foi angustioso: Que iria suceder ao relógio?
Porém, no regresso com o gado ao curral, que era debaixo do palheiro, Manuel sentiu bater o relógio, o que lhe causou intensa alegria: pelo menos não lho haviam escangalhado! Após a ceia e as rezas, o pai chamou novamente a contas o pastorinho e perguntou-lhe com severidade:
«onde roubaste o que está na corte?»
O interrogado respondeu: «Em parte alguma. A máquina de marcar o tempo fi-la eu».
«Mentira!». Exclamou irado o pedreiro. «Não tinhas saber para isso».
E dispunha-se provavelmente a fazer sentir ao jovem fabricante o peso da mão paterna, quando o mocinho, lembrando-se de que no palheiro estavam também várias peças que inutilizara nas sucessivas tentativas feitas para construir o relógio, disse que no dia seguinte, mostraria que a máquina tinha sido feita por ele.
Suspendeu o pai a aplicação do castigo e, no dia seguinte, foi á corte com o Manuel, o qual tirando de sob a palha as tais peças inutilizadas, disse que as metera ali, ao ver depois de as fabricar, que não serviam, e deu mais umas explicações.
Convenceu-se então o pai, de que o relógio era obra do filho, e foi tal a sua comoção que chorou, acabando por lhe dizer: «Vejo que não te ajeitas à vida do campo. Para onde queres ir?».
O rapaz respondeu prontamente: « Para Lisboa».

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